Trabalho infantil é problema no Censo IBGE

O uso dos dados do Censo do IBGE pode levar a grandes equívocos para dimensionar o trabalho infantil nos municípios e planejar políticas públicas para enfrentar essa questão. Os dados do IBGE podem incluir situações que não configuram de fato esse problema, bem como deixam de identificar casos que são efetivamente de trabalho infantil. No questionário do Censo, há quatro perguntas que permitem identificar situação de trabalho (ocorrida na semana de 25 a 31/07/10, que é a referência da pesquisa): a) durante pelo menos 1 hora, trabalhou ganhando em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios; b) tinha trabalho remunerado do qual estava temporariamente afastado; c) ajudou sem qualquer pagamento no trabalho remunerado de morador do domicílio; d) durante pelo menos 1 hora, trabalhou na plantação, criação de animais ou pesca, somente para alimentação dos moradores do domicílio (inclusive caça e extração vegetal).

A primeira limitação é que tais questões são aplicadas apenas a pessoas com 10 anos ou mais. Todos os casos de trabalho infantil de menores de 10 anos ficam fora. Também não é possível identificar situações de trabalho doméstico, em que a criança ou adolescente é responsável pelo cuidado da casa ou de irmãos que ficam sob sua responsabilidade, de forma habitual e prolongada. Tal situação, hoje uma das mais comuns no trabalho infantil, não se encaixa em nenhuma das hipóteses pesquisadas pelo Censo.

Note-se ainda que estão fora da possibilidade de identificação também crianças e adolescentes trabalhando com tráfico de drogas ou vítimas de exploração sexual, que são as formas mais degradantes de trabalho infantil, embora essas questões sejam mesmo de difícil apuração em pesquisa domiciliar.

Ao mesmo tempo, nem todos os casos identificados são efetivamente de trabalho infantil. Como a pesquisa foi feita no período de férias escolares, há diversas situações de crianças e adolescentes que acompanharam pais ou familiares ao local de trabalho (principalmente quando se trata de negócio da família, como comércio), sem que isso configure uma situação habitual ou violadora de direitos - mesmo porque o tempo perguntado é de pelo menos uma hora na semana. Há situações mesmo habituais (como casos de crianças ou adolescente, por exemplo, que ajudaram o pai durante quatro horas no ofício de um culto religioso) que não configuram de fato o trabalho infantil que deve ser alvo de enfrentamento.

Elvis Cesar Bonassa
Doutor em Filosofia pela USP e diretor da Kairós Desenvolvimento Social